Sâo Carlos de Foucauld, a um ano após sua canonizaçâo. Fernando TAPIA

No dia 15 de maio do ano passado tive a alegria e o privilégio de participar da canonização do Irmão Carlos e de outros nove Beatos em Roma. Cada vez que seu nome era pronunciado, uma tremenda ovação era sentida na Praça de São Pedro. Leigos e leigas de nossa espiritualidade, religiosos e religiosas que se inspiram na vida e no testemunho do novo santo, sacerdotes e bispos da Fraternidade Sacerdotal IESUS CARITAS, todos nós demos graças a Deus por este tremendo dom à nossa Igreja.

Podiamos ver os rostos daqueles que, há várias décadas, descobriram o caminho espiritual do Irmão Carlos e se fizeram pobres com os pobres nas fábricas, nos campos, na limpeza das ruas, etc. e os rostos dos jovens que o descobriram recentemente e se sentiram interpretados e questionados por ele, e estavam ali celebrando a sua canonização. Rostos escuros, brancos e amarelos.

Sem dúvida, este evento tão esperado marcou um antes e um depois na caminhada de nossas fraternidades. Em primeiro lugar, porque significa o reconhecimento oficial da Igreja ao caminho espiritual do Irmão Carlos. A sua espiritualidade é um caminho de santidade válido para qualquer batizado e não um caminho excepcional para alguns cristãos um pouco extremistas (que vivem com mais radicalidade o evangelho).

A canonização dá confiança aos bispos para nos aceitarem em suas dioceses e aos reitores dos seminários para dar a conhecer a nossa espiritualidade e a nossa Fraternidade Sacerdotal em suas casas de formação. De fato, soubemos que vários bispos das Filipinas pediram ao Responsável Nacional da Fraternidade naquele país, junto com sua equipe, que fizesse uma apresentação de nossa Associação IESUS CARITAS em seus respectivos presbitérios. Talvez vocês possam contar outras experiências semelhantes.

Por outro lado, as diversas vezes que o Papa Francisco citou o Irmão Carlos em seus documentos, nos mostram que tem nele uma inspiração e um aliado para continuar promovendo a renovação da Igreja. Talvez por isso, nos planos de Deus, a canonização foi feita agora e não antes. O Papa Francisco e Carlos de Foucauld são cúmplices, por assim dizer, e nós, a partir de nossa espiritualidade, estamos bem equipados para nos unirmos e contribuirmos com o processo renovador colocado em marcha pelo Papa. Sinto que isso é um privilégio, mas também uma grande responsabilidade.

Com quais elementos podemos contribuir, em sintonia com o Papa Francisco?

Em primeiro lugar, a convicção de que Deus é misericordioso. Carlos de Foucauld desperdiçou grande parte de sua juventude em uma vida mundana, gastando muito dinheiro, tendo comportamentos muito irresponsáveis. O nosso irmão Eric Lozada pensa que esta foi “a sua forma de protestar contra as dores da vida e de se curar das suas dores”1, tal como fazem tantos jovens atualmente, feridos pela droga, pelo erotismo, pelo secularismo e pelo ateísmo.

Anos mais tarde, relembrando esta etapa de sua vida, Carlos escreve:

O mal que eu fazia, eu não aprovava, nem o queria. Me fazia sentir um vazio doloroso, uma tristeza que não havia experimentado até então; voltava todas as noites quando eu estava em meus aposentos. Este vazio me manteve mudo e sobrecarregado durante as chamadas festas; eu as organizava, mas quando chegava a hora, eu ficava em silêncio, com um desgosto e um aborrecimento inéditos. O Senhor me deu aquela vaga inquietação de uma consciência mal formada que, embora adormecida, não estava completamente morta. Nunca senti aquela tristeza, aquele desconforto, aquela inquietação como então, meu Deus; então, foi um presente seu, como eu estava longe de suspeitar isso! Como o Senhor é bom!”.

Carlos de Foucauld reconheceu a bondade e a misericórdia de Deus naquele vazio que experimentou e que, finalmente, o levou a buscar a Deus e a converter-se a Ele. Dai em diante repetia incansavelmente aquela oração que ele mesmo chama de “estranha”: “Meu Deus, se você existe, faça com que eu Te conheça”.

Este testemunho do Irmão Carlos convida-nos a aproximar-nos dos jovens de hoje, ouvi-los e facilitar os seus caminhos de conversão, qualquer que seja a situação moral em que se encontrem.

Um segundo aspecto é a paciência na evangelização. Irmão Carlos andou muito antes de encontrar o verdadeiro Deus: era fascinado pela religiosidade dos muçulmanos, lia muitos livros de filosofia e religião. Hoje nossos contemporâneos também buscam transcendência nas espiritualidades orientais, livros de filosofia de todos os tipos, seitas, etc. Somos chamados não a combatê-los, mas a acompanhá-los em suas buscas e a estar atentos ao momento em que o verdadeiro Deus quer se revelar a eles, como o padre Huvelin estava atento quando Carlos foi falar com ele sobre religião. Ali, ele descobriu o verdadeiro Deus e deu a ele sua vida. Ele diz em um de seus escritos: “Agora que sei que Deus existe, não posso viver senão for somente para Ele.” Acredito que muitos de nós podemos testemunhar o entusiasmo dos novos convertidos em nossas paróquias e comunidades.

O passo seguinte foi descobrir que este Deus bondoso e misericordioso tem um rosto humano: Jesus de Nazaré, despertando nele um grande desejo de conhecê-lo, amá-lo e imitá-lo. Longas horas de contemplação diante do Santíssimo Sacramento e leitura orante do Santo Evangelho, moldaram-no como um outro Cristo. O mistério da Encarnação o fascinava: quanto amor, quanta humildade do Filho de Deus para tornar-se próximo de nós. O irmão Carlos fez do rebaixamento, da kenosis, o eixo do seu estilo de vida e do seu seguimento de Jesus e é por isso que Nazaré é a sua meta. Ele fez muitas mudanças em sua vida religiosa, procurando a simplicidade e a pobreza de Nazaré até encontrá-la.

O Papa Francisco também tem se despojado de toda a pompa imperial que era costumeira no Vaticano: deixou o palácio apostólico, os carros blindados, as roupas elegantes, o tratamento distante, etc. e nos convida sempre a voltar à simplicidade e à proximidade do Evangelho.

É um esforço que também nós podemos fazer: gritar o evangelho com a nossa vida, austera, simples, próxima, contrastando com a nossa cultura consumista e individualista.

Por fim, Carlos de Foucauld descobre a necessidade da missão e parte para as periferias geográficas: o Saara profundo. Ele diz em uma carta: “Agora não preciso levar esta vida de Nazaré naquela Terra Santa tão querida para mim. Devo ir ao encontro das almas mais doentes, das ovelhas mais abandonadas. Este banquete divino, do qual agora sou ministro, não é para oferecer aos irmãos, parentes ou vizinhos ricos, mas aos que mancam, aos cegos, aos mais pobres, às almas mais abandonadas, aos que não têm sacerdotes”.

(Carta ao Pe. Caron)

Como não reconhecer esta sintonia com o apelo do Papa para ser uma “Igreja em saída” para as periferias geográficas e existenciais? O que era tão típico dos religiosos e religiosas, inspirados na espiritualidade do Irmão Carlos, hoje se estende a toda a Igreja e, com a sua canonização, se tornou um caminho de santidade e sinal eficaz de evangelização.

A forma que o Irmão Carlos descobriu para evangelizar os muçulmanos foi a sua presença amiga no meio deles, sem palavras, mas com grande acolhimento e grande solidariedade, vendo em cada um deles a presença de Jesus. “O que fizeste ao menor dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes.” Escreve para um amigo:

Quer saber o que posso fazer pelos nativos. Não é possível falar diretamente com eles sobre nosso Senhor. Isso os faria fugir. É necesario inspirar confiança neles, fazer-se um amigo entre eles, prestar-lhes pequenos serviços, dar-lhes bons conselhos, fazer amizade com eles, exortá-los discretamente a seguir a religião natural, demonstrar-lhes que os cristãos os amam”.

É o que ele chamou de “apostolado da bondade”, tão válido hoje também para nós num contexto de crescente secularização e agnosticismo. Em seu diário de vida, ele escreve:

O meu apostolado deve ser o apostolado da bondade. Vendo-me, eles devem dizer a si mesmos: ‘Já que este homem é tão bom, sua religião deve ser boa.’ E se me perguntarem por que sou manso e bom, devo dizer: ‘porque sou servo de alguém que é melhor do que eu’. Se eles soubessem o quanto é bom o meu Mestre Jesus’…. Eu gostaria de ser bom o suficiente para que digam: “Se este é o servidor, como deve ser o Mestre?”

Sua bondade foi reconhecida por todos a ponto de as pessoas começarem a chamar sua casa de “a fraternidade”. Ele diz em uma carta para sua prima Maria de Bondy:

Quero acostumar todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus, a me olharem como um irmão. Começam a chamar minha casa de “a fraternidade” e isso me agrada muito”.

Com razão, o Papa Francisco termina sua Carta sobre a fraternidade e a amizade social, citando São Carlos de Foucauld:

Quero terminar lembrando outra pessoa de profunda fé, que, a partir de sua intensa experiência de Deus, fez um caminho de transformação até se sentir irmão de todos. Refiro-me ao Beato Charles de Foucauld” (FT n. 286).

O seu ideal de uma entrega total a Deus encaminhou-o para uma identificação com os últimos, os mais abandonados no interior do deserto africano. Nesse contexto, afloravam os seus desejos de sentir todo ser humano como um irmão, e pediu a um amigo: “peça a Deus para que eu seja, realmente, o irmão de todos”. Enfim, ele queria ser “o irmão universal”. Mas somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser o irmão de todos. Que Deus inspire esse ideal em cada um de nós. Amém” (FT nº 287).

Fernando Tapia Miranda, presbítero.
Membro da Equipe Internacional
da Fraternidade Sacerdotal IESUS CARITAS.

Santiago de Chile, 5 de maio de 2023.

1 Eric Lozada, “El don del hermano Carlos a la Iglesia de hoy”


PDF: Sâo Carlos de Foucauld, a um ano após sua canonizaçào. Fernando TAPIA port

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